O agronegócio é um dos principais pilares da economia brasileira. Com seu dinamismo e alcance global, o setor é hoje responsável por cerca de 20% do PIB nacional, contribui para a geração de US$ 100 bilhões em divisas – não fosse isso o Brasil teria um déficit na balança comercial – e emprega cerca de 18 milhões de pessoas. Grande parte desse sucesso se deve às nossas condições climáticas e de solo aliadas ao empreendedorismo e à inovação inerentes aos empresários do setor. Não se pode deixar de lado, no entanto, o importante papel histórico realizado pelo crédito rural como um dos combustíveis dessa pujança.
Somente para ilustrar, de acordo com o Banco Central, na safra 2017/18 o volume desse tipo de recurso somou R$ 169 bilhões, representando cerca de 30% do valor bruto da produção no Brasil. E há sinais claros de que esse suporte pode não estar tão presente no futuro, o que deverá exigir mudanças no modelo de gestão do empresário agrícola brasileiro.
O principal indutor da mudança no ambiente de crédito é o ajuste fiscal que tende a ocorrer ao longo dos próximos anos. Estimativas do Itaú BBA indicam que para que a dívida pública se estabilize o Brasil precisa sair de déficit primário de -1,7% para superávit de 1,5% do PIB, ou seja, um ajuste em torno de R$ 225 bilhões, considerando PIB de hoje.
Nesse sentido, não se pode descartar a hipótese de que o foco de contenção de gastos também deverá ser estendido às despesas de equalização com o crédito rural subsidiado (diferença entre as taxas de juros praticadas no mercado financeiro e a efetivamente paga pelo produtor). No acumulado de 2018 até novembro, por exemplo, as despesas do Tesouro com subsídios, subvenções e Proagro somaram R$ 13,4 bilhões.
Outro aspecto é que com o crescimento e profissionalização das atividades agrícolas o crédito direcionado não acompanha a dinâmica do agronegócio brasileiro e está se colocando no dilema entre ser pouco significativo para quem o toma e caro para quem o paga – o contribuinte brasileiro e a massa de tomadores de crédito não subsidiado dos bancos.
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Os primeiros passos nessa direção já foram dados por meio da redução do nível de exigibilidade de utilização dos recursos de depósito à vista e poupança rural para o crédito agrícola, que no caso do primeiro caiu de 34% na safra anterior para 30% na atual, e o do segundo de 64% para 60%. Posto isso, a expectativa é que sejam retirados do mercado aproximadamente R$ 18 bilhões de recursos direcionados na safra 18/19.
Nesse contexto, há uma clara tendência de que o crédito privado passará a ocupar papel cada vez mais importante como fonte de financiamento para o agronegócio, seja por meio de bancos ou mercado de capitais. Entretanto, a acessibilidade a tais fontes de recursos passará pela redução da percepção de risco da atividade, o que, por sua vez, demandará do empresário agrícola o aperfeiçoamento das práticas de governança, gestão e sucessão com vistas a garantir a sustentabilidade no longo prazo.
De maneira bastante simplificada, a primeira dimensão dessas práticas envolve uma evolução dos controles (contabilidade, segregação das unidades de negócio, auditoria), criação de relatórios de acompanhamento e monitoramento gerencial, planejamento orçamentário de longo prazo etc. Tudo isso com vistas a possibilitar um melhor diagnóstico da saúde financeira da empresa, aumentar o “campo de visão” para as tomadas de decisão e melhorar a transparência das informações.
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Outra dimensão importante a ser endereçada diz respeito à separação clara entre família, propriedade e gestão. Isso é relevante para minimizar possíveis conflitos de interesse que possam resultar em desentendimentos e litígios que comprometam a continuidade da operação. Como exemplos clássicos de conflito temos a utilização de patrimônio para benefício próprio (a “confusão patrimonial”) e a divergência entre como a empresa remunera o capital investido e o trabalho de seus gestores, o que é especialmente desafiador quando há membros da família que participam da gestão e outros não.
É imperativo destacar que todas essas ações não são importantes apenas sob a ótica da tomada de financiamento, mas, sim, ajudam a pavimentar um caminho mais sustentável para a atividade no longo prazo. O desafio do empresário agrícola agora será imprimir o mesmo padrão de excelência do campo no escritório.
Guilherme Bellotti é analista sênior e Guilherme Pessini é superintendente de Agronegócio do Itaú BBA
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