A economia global tem se comportado como se os recursos materiais do planeta fossem ilimitados, consumindo biomassa, combustíveis fósseis e minerais em volumes que chegam a 90 trilhões de toneladas anualmente, ou três vezes o volume extraído em 1970. Pelas tendências atuais, estima-se que o uso de recursos materiais globais duplicará até 2050, colocando em sério risco a base de recursos naturais do planeta.
A extração e o uso excessivo de recursos naturais produzem outro grave problema: resíduos são gerados em volumes e complexidade crescentes por causa do número e da diversidade de produtos que chegam aos mercados. Só a indústria da transformação digital originou mais de 48 milhões de toneladas de resíduos em 2017. Estima-se que menos de um quarto desses resíduos foi coletado e reciclado, sendo o restante descartado, muitas vezes com sérios riscos para o meio ambiente e a saúde das pessoas.
Hoje nos damos conta de que não é mais possível sustentar esse modelo de economia linear – baseado na extração de recursos naturais para produção de bens de forma barata e geração crescente de resíduos. O mundo não dispõe de recursos ilimitados, e muito menos de capacidade de lidar com a escalada de desperdício e descarte, que alimenta a disparada na emissão de gases de efeito estufa e a contaminação do solo, da água e do ar.
A economia circular nasce inspirada na própria natureza, na qual nada é desperdiçado. A longevidade e a resiliência dos ecossistemas derivam exatamente dos ciclos naturais de reciclagem de recursos, como numa floresta, em que múltiplas espécies interagem e se alternam de forma harmônica. Por mimetizar a natureza, a economia circular assume um significado especial para a agricultura, atividade baseada em recursos naturais plenamente apta a se inserir na lógica dos três Rs da economia circular: reduzir, reutilizar e reciclar.
O Brasil conta com um dos melhores exemplos de economia circular no seu setor sucroenergético. Aqui, a cana-de-açúcar é cultivada com grande economia de insumos químicos, via controle biológico de pragas e adubação orgânica. A palha permanece no campo para proteger e enriquecer o solo. Produzidos açúcar e etanol, a vinhaça é aproveitada como fertilizante e o bagaço produz bioeletricidade. Do bagaço e do melaço derivam-se componentes utilizados por múltiplas indústrias, e novas tecnologias enzimáticas já transformam resíduos celulósicos da cana em mais etanol.
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Outros setores da agricultura brasileira precisarão incorporar a avaliação do ciclo de vida (ACV), processo de gestão do desempenho ambiental dos negócios, desde a extração de recursos ao descarte final dos resíduos. Sua incorporação irá estimular o surgimento de novas cadeias de valor e premiar processos que racionalizem o uso de recursos, como a água, e reduzam ou eliminem a emissão de gases e de resíduos. Compostagem e biodigestão, por exemplo, ganharão grande valor por sua capacidade de eliminar poluição e produzir adubos orgânicos e energia renovável.
A economia circular é um movimento inexorável no mundo, em função das mudanças nos padrões de consumo, que forçarão ajustes nos padrões de produção. Políticas públicas e ações coordenadas nas cadeias de valor poderão ajudar o Brasil a galgar um novo patamar de competitividade, fortalecendo a imagem do país como provedor não apenas de mercadorias, mas também de serviços ambientais valorizados pelos consumidores em todo o mundo.
*Maurício Antônio Lopes é engenheiro agrônomo e foi presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Este artigo foi publicado originalmente em janeiro de 2019, na edição nº 399 da Revista Globo Rural.
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