O Brasil parou em 2018. Em dez dias, entre o fim de maio e o início de junho, os caminhoneiros protestaram contra as altas constantes dos preços do diesel, quando bloquearam as estradas de norte a sul do país e mostraram a dependência que a economia brasileira tem do transporte rodoviário. A greve dos caminhoneiros provocou um caos na vida da população, com falta de combustível, comida e remédios. No agronegócio, o prejuízo foi de R$ 14 bilhões.
Para acabar com os bloqueios, o governo decidiu atender ao pedido dos motoristas: intervir e baixar os preços do diesel temporariamente e criar uma tabela de frete rodoviário. A medida, porém, causou um efeito cascata, impactando inclusive no bolso dos produtores rurais, que apoiaram a greve dos caminhoneiros.
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Do custo para trazer uma carga de fertilizantes aos fretes para escoamento da produção, toda a cadeia foi afetada negativamente. Segundo dados do Instituto Matogrossense de Economia Agropecuária (Imea), em julho o custo do diesel (mais lubrificantes e filtros) para as operações de preparo de solo até a colheita da soja GMO chegou a R$ 117,43 por hectare, um aumento de 25% em relação à média do ano passado.
E isso já contabilizando o desconto de R$ 0,46 por litro imposto pelo governo federal. “Sem contar o custo de transporte dessa soja até armazém ou porto”, complementa o gestor técnico do instituto, Paulo Ozaki.
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Ele observa que a redução no preço nas bombas não se refletiu em ganhos para o produtor justamente em razão do tabelamento do preço mínimo do frete. “Isso implicou em diminuição do movimento da comercialização de fertilizantes e dos grãos para a próxima safra (2018/2019), pois os custos de transporte desses produtos entre Mato Grosso e os portos brasileiros aumentaram.”
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Entre as consequências previstas nos custos da próxima safra estão os preços mais altos de fertilizantes e calcário: de abril a junho, o frete de fertilizantes aumentou 16,4% e o frete do calcário 22,7% em Mato Grosso.
Medidas como o tabelamento de fretes foram apontadas como lesivas ao mercado por gigantes como a Cargill, que afirmou que a medida “inviabiliza a comercialização antecipada de grãos”.
“Com o tabelamento, indústrias e exportadores terão de repensar a forma como irão operar no Brasil, pois cria-se uma ruptura no funcionamento natural da cadeia de suprimentos e desequilibra os contratos, a ponto de comprometer a confiança na expansão sustentável do agronegócio”, disse Paulo Sousa, diretor da companhia para a América Latina.
Ele afirmou que a manutenção dessa política poderá levar à adoção de frotas próprias por parte dos agricultores. “As indústrias de processamento de produtos agrícolas e as empresas exportadoras serão forçadas a mudar seu modelo de atuação. Ao invés de comprar os grãos com retirada nas fazendas ou nos armazéns no interior, serão forçadas a comprar somente com entrega nas fábricas e nos portos”, diz a empresa.
Segundo a multinacional, a medida traria como resultado a ampliação da já excessiva oferta de caminhões, além de favorecer a concentração de renda no campo, prejudicando os produtores que não tiverem condições de bancar o investimento. “Os pequenos produtores e os produtores rurais da agricultura familiar serão forçados a se organizar em cooperativas de frete, com suas frotas próprias, ou perderão competitividade”, diz Paulo.
Com mais de 1.500 hectares no município de Santa Rita do Trivelato, a 327 quilômetros de Cuiabá, o agricultor gaúcho Gaspar Alceu Strey, de 70 anos, afirma que os gastos com combustível sempre tiveram grande peso no custo final da lavoura. Nos últimos dez anos, porém, a fatia do faturamento destinada a encher o tanque do maquinário cresceu muito acima de qualquer planejamento. Ele tem sete tratores, duas modernas colheitadeiras e um pulverizador. Os equipamentos o ajudam a tocar uma propriedade que está em movimento o ano todo, desde o preparo do solo até o plantio e a colheita da primeira e da segunda safras. A logística da operação, no entanto, é complexa: só em óleo diesel, são necessários cerca de 100.000 litros anuais.
“Somente na colheita da soja e do milho, gastamos 30.000 litros todos os anos”, relata seu filho Wiliam, que tem na ponta do lápis e nas planilhas do computador os resultados do consumo médio, por hectare, de todos os implementos que circulam pela fazenda.
Com a greve dos caminhoneiros, o cenário se tornou ainda mais imprevisível. “Uma coisa são os custos do diesel da porteira para dentro. Mas o que acontece da porteira para fora também nos afeta muito”, afirma.
Em entrevista à Globo Rural, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, foi lacônico ao qualificar os reflexos da crise do diesel no segmento. “Somos dependentes desse insumo: preço internacional, variação cambial, Brasil sem grana para subsidiar. Então é economizar ao máximo”, comentou.
Proprietário de um caminhão bitrem com o qual faz o transporte de grãos colhidos até o silo próprio em sua fazenda, o agricultor Gaspar Strey não vê possibilidade de solução dentro das propriedades rurais. “Não há mais o que economizar. Nossa operação é toda planilhada. E também não vai ser todo mundo que vai ter condição de comprar caminhão e contratar motorista. Se ficar só por conta do produtor, o que vai acontecer é redução da área plantada”, avalia.
Para Gaspar, o problema se torna difícil de resolver quando o preço é alto para quem paga e baixo para quem recebe. “O governo conseguiu colocar em lados opostos duas categorias que sempre trabalharam na mesma direção: fazendeiros e caminhoneiros. Lavou as mãos e deixou a situação estourar nos dois lados.”
A greve dos caminhoneiros e seus desdobramentos estiveram no foco do Caminhos da Safra, série de reportagens da Globo Rural que há seis anos monitora a evolução e os gargalos da infraestrutura para o escoamento da produção agrícola brasileira.
Neste ano, as equipes de reportagem viajaram por cinco grandes rotas , que foram percorridas pela primeira vez em 2012, com o objetivo de comparar o quadro logístico do país. .
Matéria publicada na edição de setembro (2018) da Revista Globo Rural
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