Há 20 anos o Brasil cultiva organismos geneticamente modificados, os chamados OGMs. Vice-líder mundial em área plantada, com 50,2 milhões de hectares, somos suplantados apenas pelos EUA, com 75 milhões de hectares. Argentina, Canadá e Índia completam o grupo dos cinco maiores. No mundo, são 189,8 milhões de hectares com transgênicos. As principais culturas são a soja, o milho e o algodão transgênicos, além de canola, alfafa e outros produtos.
Mas é para comemorar? Depende.
Vamos lembrar como tudo isso começou. Para isso, precisamos retornar a 1972, quando Stanley Cohen e Herbert Boyle, dois geneticistas norte-americanos, desenvolveram uma técnica chamada de DNA recombinante, que permitia que trechos de DNA isolados na natureza pudessem ser reunidos. Haviam criado a possibilidade da transgenia, ou seja, transferir um gene de uma espécie para outra.
A polêmica em torno do assunto foi sentida no mundo inteiro, porque, afinal, genes de bactérias deveriam ficar nas bactérias, se assim a natureza os fez.
Contudo, um ano depois surgiu o primeiro transgênico: a bactéria Escherichia coli com um gene de sapo, que passou a sintetizar uma proteína específica de sapos. As porteiras estavam abertas para a transgenia. Abertas, mas com muitos obstáculos.
Um longo período se passaria sob uma espécie de autocensura da ciência, até que em 1983 surgiu o primeiro produto transgênico: o tabaco resistente a antibióticos. Em 1986, a síntese de insulina por bactérias modificadas resolveu um desafio na produção desse hormônio, que antes era extraído do pâncreas de boi e de porco, beneficiando milhões de pessoas no mundo todo.
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Em 1987, os OGMs finalmente atingem o campo, começando pelos EUA, com o uso da soja resistente a herbicida. No Brasil, essa história começa em 1996 com produtores gaúchos espiando a lavoura de soja do vizinho: ela está mais verde, mais saudável e mais robusta, enquanto eles lidam com pragas e a produtividade é menor. A questão é que os vizinhos eram os argentinos, que já estavam usando a soja transgênica. Logo as sementes cruzaram a fronteira.
Em 1998, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) autorizou o cultivo da soja transgênica, nosso marco oficial. A autorização foi relativa, tanto que, entre 1998 e 2005, o cenário brasileiro foi tumultuado com relação aos transgênicos, com entidades atuando contra sua adoção. Essa leitura enviesada e anacrônica é que nos leva a uma comemoração relativa, não obstante a expressiva contribuição dos OGMs.
Genes sintetizam proteínas, cada receita com sua ação específica. Esteja onde estiver, ele executará sua função, como se fosse um software universal que rodasse em qualquer hardware.
Claro, existem interações entre os genes e isso merece atenção. Antes de ser liberado, um produto transgênico tem de passar por inúmeros testes e validações. Isso leva no mínimo dez anos de experimentações.
Merece ser mencionada a variedade de feijão transgênico resistente ao mosaico dourado, uma praga capaz de dizimar 100% da lavoura, que foi desenvolvida pela Embrapa Arroz e Feijão. Liberado desde 2011, não foi colocado no mercado. A Embrapa, justificadamente, entendeu serem necessários mais estudos quanto ao comportamento em campo da variedade e quanto a capacidade da cadeia do feijão em rastrear o produto do campo à mesa do consumidor.
Além disso, estudos consistentes ao longo dos mais de 40 anos em que os OGMs entraram na cadeia alimentar mostram que não há registro de um único caso sequer de prejuízo à saúde humana ou animal.
Particularmente, comemoro os 20 anos como um avanço científico aplicado, porque em ciência não há espaço para crenças – há fatos.
*Luiz Josahkian é zootecnista, especialista em produção de ruminantes e professor de melhoramento genético, além de superintendente técnico da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). Este artigo foi publicado originalmente em janeiro de 2019, na edição nº 399 da Revista Globo Rural.
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