_O café faz parte da experiência humana há séculos, tendo inspirado uma tradição social que não mostra sinais de sair da moda. É, por isso, o estimulante preferido quando queremos pensar, dialogar e socializar. Bebida mais reverenciada e apreciada em todos os cantos do planeta, o café já chega à impressionante marca de 2,25 bilhões de xícaras consumidas diariamente.
O mercado mundial está dividido, em termos de preferência do consumidor, entre duas espécies: arábica — cafés especializados, de melhor padrão – e robusta — cafés de sabor mais intenso, com maiores teores de cafeína. O Brasil é o maior produtor e exportador, o segundo consumidor e o único país a se destacar na produção de arábica e robusta. Nossos cafeicultores incorporam cada vez mais tecnologia às lavouras, que produzirão 58 milhões de sacas em 2018, o que representa um terço do café do mundo.
A ênfase na especialização e na qualidade da bebida tem aumentado a importância das técnicas de cultivo, colheita, seleção, processamento, entre outros. O café robusta predomina na composição dos cafés solúveis devido à maior quantidade de sólidos solúveis. Da mistura de cafés (blends) surgem processos industriais e mercadológicos sofisticados, que permitem construir a “identidade” de diferentes produtos e marcas de países como EUA, Alemanha e Itália, que não plantam café, mas investem muito em inovação da bebida.
Os avanços tecnológicos das últimas décadas impactaram a cadeia global do café e todo o seu amplo conjunto de atores — produtores, intermediários, exportadores, importadores, torrefadores e varejistas. O café em cápsulas, surgido em 1986 na Europa e disseminado para o mundo, exemplifica bem a dinâmica de inovação tecnológica e a competitividade no setor. O café em cápsulas original já requer mudanças, uma vez que o descarte de crescentes volumes de cápsulas metálicas gera um sério problema ambiental.
O mercado tradicional de café passado na hora, em sua maioria arábica, está também em rápido processo de mudança. Essa tendência decorre principalmente do surgimento de equipamentos sofisticados para o preparo da bebida e do processo de “gourmetização”, com conceitos de indicação geográfica, garantia de procedência e produção sustentável, que atraem os consumidores. À semelhança do vinho, vemos o surgimento do conceito de terroir para o café, que é o efeito da geografia, do solo e do clima, em interação com a genética da planta, impactando sabor e aroma. Oportunidade extraordinária para os cafés do Brasil, por causa da diversidade de nossas áreas produtoras.
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Philip Marriot, pesquisador australiano que colabora com a Embrapa em estudos sobre as propriedades do café, usa técnicas sofisticadas de cromatografia para caracterização das centenas de componentes que afetam a qualidade da bebida como forma de definir padrões e, com isso, ganhar espaço no mercado de cafés de alto valor. Segundo ele, com a “gourmetização” e a valorização de aromas e sabores cada vez mais sofisticados, em futuro próximo o café terá de ser tratado como, por exemplo, o perfume Chanel No 5, que, se não oferecesse qualidade e padrão constantes, ninguém o compraria.
Portanto, as mudanças profundas no mundo do café precisam inspirar o Brasil a transitar da posição de grande produtor concentrado no café commodity para a posição de grande produtor também ativo na fronteira da inovação, participando da geração de produtos e processos avançados que moldarão o futuro do grão no mundo.
*Maurício Antônio Lopes é engenheiro agrônomo e foi presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Este artigo foi publicado originalmente em outubro de 2018, na edição nº 396 da Revista Globo Rural.
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