O conhecimento humano resulta da combinação de competências de diferentes áreas. Hoje, mais do que nunca, biologia, química, física e outras ciências se unem para entender e explicar melhor os fenômenos que acontecem ao nosso redor.
Naturalmente, a velocidade com que novas descobertas surgem hoje é muito maior do que há séculos atrás, porque o conhecimento é acumulativo.
Curiosamente, o que deveria ser um benefício acaba, em alguns casos, tornando-se um desafio adicional: o de fazer a sociedade entender e aceitar novas tecnologias. Para ilustrar, vejamos o exemplo da simples caneta, que demorou 50 anos para atingir o mercado, tempo suficiente para que fosse assimilada; e a prosaica televisão, que precisou de 30 anos para ser um item de comercialização, o que não a transformou em um temido caixote radioativo.
Voltando ao nosso setor, mais especificamente à genética, vamos encontrar um cenário mais acelerado. Como ciência, a genética tem pouco mais de 100 anos, mas os últimos 30 foram (e continuam sendo) revolucionários. Talvez revolucionário demais para o padrão médio conservador da nossa sociedade.
Desde que as possibilidades de editar genes e criar transgênicos surgiram, em 1983, observa-se um movimento reacionário em vários setores da sociedade, incluindo, até mesmo, a própria academia. É curioso notar que, embora a humanidade manipule a natureza há milênios, com a produção de vinhos, pães, derivados lácteos, enxertio de plantas e cruzamento entre animais de raças diferentes, quando rompemos definitivamente a barreira das espécies, com a possibilidade de transgenias, gerou-se certo temor. Foram apenas dez anos desde a descoberta dos transgênicos para que soja, feijão, milho, canola, tomate, girassol, batata, arroz, trigo, uva, eucalipto e outros estivessem solidamente no mercado.
Na pecuária, as coisas também andaram relativamente rápido e o uso de produtos obtidos a partir de transgênicos se tornou uma realidade, a exemplo do BST, o hormônio sintetizado por bactérias transgênicas e utilizado para o aumento da produção de leite, e os bovinos resistentes ao mal da vaca louca, ainda em caráter experimental.
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A transgenia é possível porque o código genético é universal. São receitas moleculares de proteínas rigorosamente iguais independentemente da espécie em que se encontram. Quando as biotecnologias moleculares surgiram, as perguntas mais comuns eram: “será que elas resolverão o problema da fome no mundo?” e “elas substituirão a genética clássica?”.
Hoje, olhando em retrospectiva, constatamos que a resposta para os dois questionamentos é não. Elas não resolverão sozinhas a fome e não substituirão a genética clássica. O que se pode afirmar atualmente é que a fome no mundo só será resolvida com ações técnicas, políticas e sociais.
A genética não faz mágica. Ela contribui. Da mesma forma, os avanços no conhecimento dos genes nos fizeram perceber que eles são menos acessíveis do que pensávamos. Agem sinergicamente, aos pares ou em dezenas, quem sabe centenas de pares, o que torna o conhecimento de seus efeitos extremamente complexo. Procure conhecer uma única via bioquímica de efeitos em cascatas de genes que ativam genes e que ativam outros genes e entenderá esse grau de complexidade. E é exatamente essa intensa relação que nos torna dependentes das abordagens clássicas do melhoramento das espécies vegetais e animais.
Seguramente, por muitos anos, continuaremos a medir fenótipos, pesando o leite das vacas, o peso dos bezerros e anotando os eventos zootécnicos. Será da combinação desses dois universos – o fenotípico e o genotípico – que surgirão os grandes avanços da produção de alimentos vegetal e animal no planeta.
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*Luiz Josahkian é zootecnista, especialista em produção de ruminantes e professor de melhoramento genético, além de superintendente técnico da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). Este artigo foi publicado originalmente em junho de 2018, na edição nº 392 da Revista Globo Rural.
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