No meio da lavoura de milho, o agricultor Leôncio Paiva Ariosi, de 35 anos, pilota sua máquina. Ele não está plantando nem colhendo – tampouco pulverizando. Tem os olhos atentos a um pequeno monitor e os dedos das duas mãos mexendo com delicadeza em controles que lembram joysticks de videogame.
O aparelho não pesa toneladas, na verdade menos de 1 quilo, mas oferece bons resultados. É um drone. E, lá de cima, propicia ao rapaz imagens valiosas. Um panorama que ele não teria somente caminhando pela plantação.
A reportagem encontrou Leôncio operando o aparelho que sobrevoava uma lavoura de milho para fotografar um talhão onde parte das plantas, já espigando, caiu por causa de uma ventania. Na área, ele está fazendo um experimento com 24 variedades de milho.
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“Pegarei a imagem, aplicarei sobre o croqui e constatarei quais não resistiram ao vento. Passamos por uma seca de 50 dias. Será que foi isso que as afetou? Por que umas caíram e outras ao lado não? Consultando os agrônomos, chegarei às respostas. Daí vamos saber se deveremos cultivá-las ou não nas próximas safras”, diz Leôncio.
Filho de agricultores, o rapaz se formou em engenharia de telecomunicações em 2007. Fez estágios na área, abriu suas próprias empresas, uma delas dedicada a administrar documentos jurídicos, e matriculou-se em uma segunda graduação, passando a frequentar o curso de direito.
Mas, em 2015, resolveu atender ao chamado do pai, Milton Ariosi, de 61 anos, e começou a trabalhar na propriedade no município de Cambé, no norte do Paraná, onde a família cultiva soja, milho, laranja e inicia um projeto de agrofloresta.
“Comecei dirigindo a colheitadeira, o caminhão, olhando, observando, buscando aprender e a enxergar como poderia ajudar. Meu pai já tinha a cabeça aberta para novas tecnologias. Logo percebi onde me encaixaria”, explica Leôncio.
Ele contratou os serviços de uma empresa que fornece imagens, via satélite, da propriedade. Passou a utilizar aplicativos (sete, no total) que auxiliam na gestão, nos mapas da área, na análise de solo e para trabalhar com o drone.
Com isso está formando um banco de dados e otimizando manejos. Como exemplo cita o fato de ter juntado, com um aplicativo, 300 fotos aéreas produzidas com o drone numa imagem só, para ter um panorama dos 20 hectares ocupados com os pés de laranja. Assim, identificou as plantas doentes ou com outros problemas e providenciou a substituição.
No momento, planeja evoluir, comprando um veículo aéreo não tripulado (vant), que vai permitir fazer mapeamentos fotográficos aéreos com mais rapidez.
“Além disso, por meio de outro aplicativo que decodifica os dados fornecidos pela colheitadeira, conseguimos identificar quais áreas produzem mais ou menos, fazendo nós mesmos a coleta de solo para a análise em grid de pontos específicos.” De viagem marcada para os Estados Unidos, Leôncio ficará por lá em torno de um mês fazendo um curso focado em tecnologia aplicada ao agro. Certamente voltará com mais conhecimento na bagagem.
Também no norte paranaense, o agricultor Guy Tsumanuma, de 38 anos, que aprendeu a gostar da terra quando criança, brincando na propriedade rural da família, pode ser facilmente apresentado como um executivo da área de tecnologia, o que ele não deixa de ser.
Com a agenda apertada por causa de uma viagem, ele encontrou a reportagem em uma padaria de Londrina, onde mora, e não nas propriedades, que ficam nos municípios de Assaí e Santo Antônio do Paraíso. Chegou com dois celulares dos mais modernos, um tablet e muita disposição para explicar com detalhes tudo o que faz.
Filho de descendentes de japoneses, ele se formou em agronomia na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), emendou um trainee na Holanda e fez mestrado e doutorado na própria Esalq, concluindo tudo isso aos 29 anos.
Na sequência, trabalhou em duas grandes multinacionais. Quatro anos em uma com gerenciamento de projetos e mais três anos em outra como líder de desenvolvimento tecnológico. “Porém, sempre tive a certeza de que voltaria para a minha terra, o norte do Paraná”, comenta.
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De fato, voltou em 2016, integrando-se ao plano de sucessão familiar iniciado pelo pai dele, Takeo Tsumanuma. Logo começou a aplicar novas tecnologias nas terras onde a família cultiva soja, milho e trigo, rotacionando com aveia, eucaliptos (nas áreas que não são propícias para as lavouras de grãos) e um pouco de café, como herança dos tempos em que a região era fortemente dedicada à cafeicultura.
O elenco de aplicativos que ele vai mostrando em seus celulares é amplo. Entre eles um para gestão de operações em tempo real, outro para previsão do tempo e gestão de atividades, mais um para planejamento de semeadura e outro para identificação de pragas, plantas daninhas e doenças.
Conta que faz análise de solo georreferenciada por GPS, com grids de 3 hectares, tendo precisão para as correções necessárias, e aproveita ao máximo a tecnologia de última geração das colheitadeiras e plantadeiras.
“A plantadeira tem sensores na linha de caída que identificam, com infravermelho, se estão caindo mais ou menos sementes do que o necessário. As colheitadeiras também possuem sensores que fornecem dados sobre como está sendo a colheita. É preciso interpretar a todos e saber utilizá-los, fazendo assim a agricultura de precisão, que passa a ser uma agricultura de decisão”, explica Guy.
No entanto, o entrave para que tudo isso seja utilizado de forma ainda mais eficiente é a conectividade. Se é difícil ter sinal de internet nas pequenas cidades, nas áreas rurais dos municípios isso é ainda pior. Para aplicativos que dependem da transferência de dados por 3G ou 4G, muitas vezes é preciso sair do meio da lavoura e ir recorrer ao Wi-Fi da sede, perdendo tempo e eficiência.
“Isso o Brasil tem de resolver em, no máximo, dois anos. Do contrário, ficaremos para trás em competitividade do ponto de vista mundial”, afirma Guy.
A opinião dele é referendada por Anderson de Toledo, de 34 anos, pesquisador de engenharia agrícola do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar). “Ainda estamos no começo da curva de adoção da tecnologia. Por isso, é importante resolvermos a conectividade. Se não tem como transmitir o dado no tempo certo, ele pode não ser útil. Mas sou otimista, creio que em breve haverá soluções para isso. Portanto, é preciso que o agricultor esteja preparado e capacite-se para viver essa nova fase”, destaca o pesquisador.
Leôncio Ariosi e Guy Tsumanuma fazem parte de uma geração que vem cada vez mais utilizando as ferramentas da agricultura digital. São instrumentos e aplicativos que vêm revolucionando o campo. O diretor de vendas da John Deere Rodrigo Bonato, ao analisar essa transformação, diz que “a tendência é de menos ferro e mais inteligência”.
A frase de Rodrigo sintetiza a visão quase unânime de fabricantes de máquinas agrícolas, agroquímicos e sementes, de pesquisadores e de empresários de startups sobre como será a agricultura brasileira nas próximas décadas. A visão geral é que as máquinas autônomas vão predominar e que a busca por mais produtividade levará em conta a sustentabilidade. A agricultura digital, com ferramentas cada vez mais revolucionárias de agricultura de precisão (AP), inteligência artificial, internet das coisas e nanotecnologia, é quem vai dar as cartas no futuro.
Na opinião do diretor da John Deere, os ferros estão chegando ao seu limite operacional no campo e cita como exemplo a maior plantadeira do mercado, lançada pela empresa neste ano, com 61 linhas de plantio e chassi de 27,5 metros, puxada por um trator de 520 cavalos-vapor (cv).
“A pergunta que fazemos hoje é até onde poderemos, com o aumento dos ferros, agregar mais eficiência aos nossos produtores. Acho que o futuro está na agricultura de decisão”, diz Rodrigo, referindo-se à associação do conceito de AP (aplicação correta, na forma correta, no lugar correto, no tempo correto) com o gerenciamento da frota e da operação. Na visão do executivo, as máquinas do futuro terão autonomia não apenas de direção, mas serão capazes de se autorregular e tomar decisões no campo com a inteligência artificial.
Sergio Soares, diretor de desenvolvimento de produto e engenharia agrícola da CNH Industrial (que engloba as marcas Case IH e New Holland) para a América Latina, afirma que o limite de tamanho ainda não foi atingido em plantadeiras e pulverizadores, principalmente porque já há tecnologias sendo desenvolvidas para equacionar o problema da compactação do solo causada pelas grandes máquinas. Mas ele prevê uma queda na velocidade de crescimento desses equipamentos nos próximos anos e um aumento exponencial de tecnologia embarcada.
Sergio acredita que as máquinas 100% autônomas estarão trabalhando no campo antes de 2030. Na Agrishow de 2017, a Case IH apresentou um trator conceito totalmente autônomo, sem espaço inclusive para operador, mas não fixou data para sua comercialização. Ele observa que as máquinas agrícolas hoje já têm uma boa dose de inteligência artificial: se autorregulam, mesmo com a presença do operador na cabine. “A adoção dos veículos 100% autônomos é mais fácil no campo do que nas cidades”, diz o executivo.
Para Dener Jaime, coordenador de marketing do produto Fuse da Massey Ferguson, o tráfego controlado das máquinas, tecnologia já lançada pelo grupo AGCO (que inclui também a marca Valtra), aliado à gestão de informação, vai se tornar rotina no futuro na maioria das propriedades e vai permitir atender à demanda por máquinas ainda maiores. A Massey vê limites na automação. “Num futuro não tão distante, a automação pode até ser completa, mas o mais provável é que a máquina trabalhe sozinha, com o operador na cabine pronto para fazer qualquer correção”, diz ele.
A opinião de Dener sobre a demanda no futuro por máquinas maiores para atuar em áreas planas e de grandes extensões e sobre a limitação de autonomia dos equipamentos é compartilhada pelo executivo Gerson Filippini Filho, coordenador de marketing do produto Fuse Valtra. “Não acredito que as máquinas vão tomar decisões sozinhas em dez ou 15 anos, mas acredito que, no futuro mais distante, os equipamentos no campo serão menores, autônomos e multitarefas. Aliás, uma marca do nosso grupo, a Fendt, já trabalha com esse conceito de unidade menor e autônoma.” Gerson lembra que, em 2012, a Valtra apresentou o protótipo de um trator com operador que era seguido por várias máquinas autônomas que viam a primeira unidade como guia.
A Jacto também apresentou um veículo autônomo para pulverização em 2008 que aplica o conceito de um único operador no campo controlando várias máquinas. “O comboio faz a aplicação de forma autônoma, observado pelo operador”, explica Cristiano Pontelli, gerente de negócios da marca. Para ele, nos próximos 15 anos, ainda será necessário um operador in loco para controlar as operações.
Pequenas, criadas e mantidas por jovens geralmente recém-saídos das universidades, ágeis no desenvolvimento de novas tecnologias e na aplicação, as startups do agronegócio, conhecidas como agritechs, são a bola da vez. Nos últimos três anos, nasceram centenas de pequenas empresas com foco em desenvolver soluções tecnológicas de fácil aplicação para melhorar a produtividade das lavouras e rebanhos e a gestão da atividade rural.
A EsalqTec, incubadora da USP de Piracicaba que incentiva e dá suporte à criação de agritechs, tem atualmente nove empresas residentes e oito pré-incubadas. Uma delas é a Smart Agri, fundada em 2015 pelo engenheiro agrônomo Marcos Nascimbem Ferraz e outros ex-alunos da Esalq. A empresa fornece tecnologia de mensuração e análise dos dados gerados no campo.
Marcos acredita que, no futuro, o conhecimento agrícola vai ser automatizado como a produção. O fato é que, no campo, um ambiente aberto, com inúmeras variáveis como clima, solo e relevo, a inteligência artificial tem de ser mais inteligente que na indústria, por exemplo. “Talvez ao produtor caiba apenas decidir quanto quer investir e quanto espera de retorno financeiro. As máquinas farão o resto.”
O veterinário Tiago Zanetti Albertini, da Techagr, também alojada na EsalqTec, diz que as startups têm o desafio de abrir algumas caixas-pretas do agronegócio. Ele prevê que ferramentas tecnológicas como a sua Beef Trader, que, com uso de sensores e balanças inteligentes, monitora a curva de lucro do boi em confinamento para informar ao pecuarista qual a melhor hora de vender o animal e qual o melhor negócio naquele momento, serão cada vez mais usadas no campo.
No futuro, os drones serão tão populares como o celular e terão papel fundamental na fiscalização de plantas mal nutridas, na detecção de pragas e ervas daninhas, no levantamento de dados e até na complementação de pulverização nas lavouras. Quem diz tudo isso é o pesquisador Lucio André de Castro Jorge, da Embrapa Instrumentação de São Carlos, que trabalha nesse setor há 20 anos.
Os drones captam as imagens, que precisam ser organizadas em um mosaico no computador, com o auxílio de um software, para se transformar em informação útil para o produtor. Esse trabalho é demorado e exige um investimento mínimo em drone, computadores e softwares de R$ 100 mil.
Segundo Lucio, em poucos anos, esse custo pode cair para um décimo com o uso da nova tecnologia desenvolvida pela Embrapa, em parceria com a empresa americana de processadores de celular Qualcomm. A tecnologia, que está em testes de validação em 100 fazendas brasileiras, usa o software de leitura de imagens captadas por drones com algoritmos de inteligência para gerar a informação direta para o produtor, sem necessidade de leitura e interpretação de mosaicos.
Silvia Massruhá, chefe geral da Embrapa Informática Agropecuária, diz que o produtor toma cerca de 200 decisões por dia e tem capacidade limitada para analisar e interpretar muitos dados. “Ferramentas de AP, drones, sensores, internet das coisas, algoritmos e inteligência artificial vão ajudar o produtor a tomar decisões mais rápidas para garantir a produtividade de sua lavoura, a sustentabilidade e sua renda”, afirma Silvia.
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