Só é possível manejar aquilo que pode ser medido. Controlar o barulho, o espaço físico, o emprego excessivo da voz , eliminar os choques são medidas que a americana Temple Grandin adotou em seu metódo e que revolucionaram a pecuária, criando assim o manejo humanitário do rebanho.
Em julho, ela esteve no Brasil a convite de empresas do setor para reforçar ações de bem-estar nos animais de criação. Conduziu palestras concorridas em São Paulo. A principal de suas invenções na área talvez seja o curral curvo. “A importância do manejo racional e do curral curvo é tirar proveito do comportamento natural do animal, que é o de caminhar para onde ele veio”, diz Temple.
Tema premente na indústria da carne, inicialmente o bem-estar foi adotado como estratégia de redução de perdas econômicas. Em pouco tempo, percebeu-se que o manejo correto era necessário para a conquista de novos mercados graças à conscientização de que animais são seres sencientes. “Sentem angústia e dor, por exemplo”, explica Mateus Paranhos, professor de bem-estar da Unesp de Jaboticabal (SP) e um dos anfitriões de Temple Grandin no Brasil.
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Foi justamente o sentir que permitiu a Temple entender tão bem os animais. Até os 3 anos e meio, ela, criança, não falava. Aos 4, foi diagnosticada como autista. A mãe não permitiu que a filha fosse tratada de modo inferior. “Diferente sim, inferior não”, ela dizia. Temple cresceu querendo ser cientista. Na adolescência, um professor percebeu que a menina tinha uma mente especial. O encontro foi determinante.
“Até os 20 e poucos anos, eu achava que todo mundo pensava por imagens. Depois descobri que esse era apenas o modo como eu enxergava o mundo, um jeito diferente das outras pessoas”, diz.
A partir desse pensamento singular, que favorecia a expressão por gráficos e desenhos, Temple pôde pensar o manejo de forma inédita. Durante as férias num rancho no Estado americano do Arizona, ela percebeu como o gado agitado ficava tranquilo quando preso ao tronco de contenção para tomar vacina. Durante uma crise de ansiedade, Temple experimentou o aparelho e se sentiu tranquila. Foi assim que desenvolveu a “máquina do abraço”, que usava para se acalmar e pensar melhor.
Graduada em psicologia, Temple fez mestrado sobre os mugidos dos bovinos. Foi a primeira medida que avaliou. A vocalização é um dado importante sobre o bem-estar dos rebanhos. Do mugido Temple passou a medir outros dados concretos. “Tudo tem de ser medido continuamente. É como no trânsito. Se as pessoas pararem de medir a velocidade, as rodovias vão virar pistas de corrida”, diz, sempre recorrendo a exemplos concretos.
A compilação de dados mensuráveis permitiu a Temple Grandin ter sua grande sacada: o gado se sentia mais tranquilo se pudesse reproduzir seu comportamento natural nos confinamentos. Assim nasceu o curral curvo, que pode ser atribuído a sua mente especial.
A trajetória fez dela referência tanto no auxílio ao tratamento de crianças com autismo quanto no bem-estar animal. Ela escreveu diversos livros, obteve um PhD, tornou-se professora da Universidade Estadual do Colorado e consultora de importantes empresas da indústria da carne. Hoje, quase metade dos bovinos nos Estados Unidos é manejada com instalações projetadas por Temple Grandin, que teve sua história contada em um filme premiado, produzido para a televisão americana, em 2010.
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O ponto central de seu trabalho é que os animais de criação devem viver da melhor maneira possível até o fim, pois, verdade inconveniente seja dita, eles vivem para nos servir. “Na natureza, a morte de um animal pode ser uma coisa muito cruel. Temos de dar aos animais uma vida decente.”
Por isso, ela destaca o lado humano do manejo na medida do bem-estar. Temple diz que pessoas que trabalham com gado não devem ser sobrecarregadas. “Pessoas cansadas têm menos paciência com o manejo. Há pessoas que, quando bem treinadas, revelam um dom natural para o manejo. E há pessoas que devem trabalhar com máquinas”, afirma.
Temple diz que fatores econômicos também podem ser impeditivos para um bom manejo. “A boa notícia são as certificações”, diz. Elas funcionam não apenas para a informação dos consumidores, mas também para que as indústrias se adequem às exigências do mercado.
Sobre o Brasil, onde visitou uma fazenda na Região Centro-Oeste, ela destaca a necessidade de cuidados especiais para com o nelore, espécie zebuína predominante no rebanho nacional.
“É preferível que sejam manejados em pequenos grupos”, diz. Mas o que mais a preocupa por aqui é o desmatamento. “Não é possível que se desmate a Floresta Amazônica para criar gado. Precisamos criar os animais de um modo que melhore o planeta.”
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Na opinião de Temple Grandin, o mundo precisa de mais soluções e menos abstrações. “O conceito de sustentabilidade é abstrato. É mais fácil pensar no que não pode ser feito para entendê-lo”, diz, para logo citar exemplos positivos como a rotação de culturas e os sistemas de integração.
A professora lembra como viu o bem-estar se tornar real no momento em que executivos do McDonald’s, para quem trabalhava, despiram-se dos ternos para meter os pés no pasto. “Eles viram que a coisa não era tão ruim quanto diziam os ativistas, mas que ainda havia problemas.”
Somente quando os executivos vão a campo eles podem se abrir e buscar compreender os animais. “É preciso ir lá e sentir”, resume a professora de fala rápida e roupas de caubói texano.
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