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Tecnologia acelera a criação de lambari em cativeiro

By 19 de abril de 2018No Comments
Lambari (Foto:  )

 

Para muito pescador bom, o lambari foi o primeiro peixe. Aquela emoção da criança vendo a presa na ponta da linha, vibrando e se contorcendo toda na luta para escapar do anzol.
“No meu caso, foi tamanha a surpresa que caí dentro do rio. O susto logo passou, mas a vontade de pescar dura até hoje, com muita alegria.” Quem diz é Ana Maria Braga, que já levantou cacharas, dourados, matrinchãs e outras presas preciosas nos melhores rios brasileiros.

Lambari (Foto:  )

 

O lambari é um ícone da água doce. O catireiro, médico e pescador José Maria Campos, de Martinho Campos (MG), compara o lambari com o dourado. “Em forma do corpo, voracidade, energia, é igual ao outro. Um dourado em miniatura.”

Bom de pegar e gostoso de comer, seja frito, como tira-gosto, seja cozido com azeite e tempero, na forma de sardinha, iguaria que está se espalhando por aí.

Lambari (Foto:  )

Outra função do lambari – a de isca para peixes graúdos – ganhou  incentivo com a criação em cativeiro, que teve significativo efeito colateral. Hoje o aficionado (fora da Amazônia) pode pescar, nas represas das hidrelétricas e de aterros comuns,  tucunaré, curvina, tilápia, piranha e, às vezes, enormes tambaquis, sem nenhuma restrição. E isso o ano inteiro, porque a isca (o lambari) vem de cativeiro e os peixes não são nativos, quer dizer, vêm de outra bacia hidrográfica. Para esses peixes, não é preciso obedecer ao “período de defeso”, esse tempo que é reservado para a piracema, pois os peixes de águas paradas (lagos, reservatórios, etc.) têm o seu sistema de reprodução adaptado ao novo ambiente. A pesca na primavera não põe em risco sua sobrevivência.

Existem mais de 100 espécies de lambari, quase uma para cada corguinho ou lagoa. No Brasil, a maioria pertence ao gênero Astyanax. Assim, o lambari de rabo amarelo – um dos mais comuns entre nós, também conhecido como tambiú ou piaba – é chamado cientificamente de Astyanax altiparanae, quer dizer, é uma espécie que foi descrita no Alto (do Rio) Paraná.
O biólogo Heraldo Britsky, do Museu de Zoologia de São Paulo, foi autor, sozinho ou com parceiros, da descrição desse lambari, e não só dele: também da raríssima (e enorme) piraíba zebrada dos rios da Amazônia e de outras quase 60 espécies de nossos peixes. Já foi pescador de lambari quando vivia no interior e o mantém sempre de olho. 

Lambari (Foto:  )

 

SYSTEMA NATURAE

Não deixa de ser curioso, diz Heraldo, ao comentar que nosso tão conhecido lambari tenha sido revelado para a ciência pelo sueco Carl Nilsson Linnæus, a partir de exemplares coletados talvez na Guiana Inglesa. E o nome do grupo a que pertence (gênero Astyanax) foi dado por dois cientistas americanos, em homenagem a Astyana, um príncipe de Troia, na Grécia,  onde nunca se viu lambari nenhum. Coisas da ciência.

Outra curiosidade: o lambari figura na décima edição do livro Systema Naturae, publicado em  1758, quando Linnæus criou as regras para classificação e denominação dos seres vivos. Ele mudou para sempre a forma como os cientistas escrevem sobre plantas e animais, nesse esquema de espécie, gênero, família. As regras não permitem que uma espécie descrita aqui no Brasil, por exemplo, seja batizada com outro nome onde quer que exista.

Os cientistas passaram a falar uma língua só.  O livro de Linnæus é um monumento da ciência e seu autor considerado um gênio, ainda que, no caso do lambari, ele tenha errado. Classificou-o como Salmo, julgando que fosse uma espécie de salmão. Mais de um século depois, dois americanos, fazendo revisão da literatura, viram que o lambari não pertence ao gênero Salmo, mas sim a um outro, a que deram o nome de Astyanax. Linnæus chamou o lambari de Salmo bimaculatus, os americanos de Astyanax bimaculatus: tiraram o Salmo, mas deixaram o bimaculatus, porque, na verdade, o lambari tem duas máculas (manchas) no corpo, uma perto da cabeça, outra se acercando da nadadeira caudal. Nisso Linnæus foi exato.

O lambari deu um salto com a reprodução em cativeiro. Antes, para pescar, o cidadão tinha primeiro de fisgar a isca, e às vezes demorava tanto nessa luta que já não valia mais a pena sair atrás do rio. Com o lambari criado artificialmente, a isca ficou fácil: é só pegar na loja, já na embalagem que a faz durar horas, dias.

Lambari (Foto:  )

 

Jomar Delefrate, de Buritizal (SP), na Via Anhanguera já quase chegando a Minas, tem um pesque-pague onde criava peixes redondos. Mas também fazia um dinheirinho com lambaris como isca, lambaris esses que apareciam nas redes de despesca de pacu e  tambaqui. Eram lambaris da natureza, cujos ovos, grudados no pé das aves aquáticas (garças, marrequinhas, mergulhões) que vinham “pescar” em seus tanques, eclodiam e cresciam ali. A freguesia foi aumentando e ele viu que só com esse lambari “variante” não ia dar conta.

Ele tomou duas decisões. Primeiro, foi atrás de tecnologia para reprodução artificial do lambari, como já havia para outros peixes. Depois, saiu em busca dos melhores lambaris de nossos rios, para fazer cruzamentos e obter o melhor híbrido possível, sempre em alerta para evitar a consanguinidade e possíveis má-formações ou perda de imunidade.

Os reprodutores vieram do Paranazão, do Rio Grande, de rios e regatos do sul de Minas e até do Nordeste. Manejando seus tanques escavados (e numerados), Jomar leva para cruza, com estimulação hormonal, machos de uma região com fêmeas de outra. O objetivo é obter um lambari-isca maior, lutador como o selvagem, ao gosto do pescador mais exigente. 

Para atender à demanda crescente, Jomar decidiu aumentar o número dos criadores, num sistema de integração, para não faltar isca. Outra ideia foi criar a opção de mercado do lambari-carne, para ser distribuído nos restaurantes e supermercados.

O número de tanques de lambari passou dos 20 iniciais de Jomar em Buritizal para mais de 200 dos integrados, em Minas e São Paulo. E foi preciso criar um equipamento próprio para descamar e limpar o lambari, em condições sanitárias controladas, para venda em bandeja, já no ponto de fritar.

Lambari (Foto:  )

 

TANQUE E SERVIÇO

No sistema de integração (como nas granjas de frango e suíno), o dono do tanque recebe de Jomar assistência técnica e os lambaris jovens (na forma de larvas ou juvenis) e os engorda assumindo os gastos com ração e serviço. No ponto de saída, combinam antes o preço, e o caminhão de Jomar vem buscá-los. Do resultado da venda, 50% para cada um. Fui perguntar a uma criadora integrada, dona Cláudia Gomes, de Rifaina (SP), se o trabalho é pesado. “Até uma criança faz. É dar ração duas vezes por dia, conservar os tanques e esperar o dia do caminhão.”

Como fonte de renda para o produtor rural,  pode não ser significativo se ele tiver um tanque só. Numa simulação do negócio, proposta por Jomar (leia no box ao lado), dá para ver como pode valer a pena como renda adicional do sítio ou da fazenda.  

Para o pescador, um aviso importante. Ele não pode fritar o lambari que comprou como isca, porque o peixe vem numa química para durar mais,  não morrer fácil. Se a intenção é uma boa roda de lambari frito e cerveja (com uma “guia” da “marvada” no começo,) ou compra o lambari de bandeja ou vai a um corguinho pescá-lo. De rabo amarelo ou de rabo vermelho, não importa: o que vale  é a companheirada.

*José Hamilton Ribeiro é repórter do Programa Globo Rural, da TV Globo

 

  

 

 

Reportagem produzida e exibida pelo programa Globo Rural, da TV Globo, no dia 15 de abril de 2018.

Source: Revista Globo Rural

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